disse-lhe eu

tenho andado com um desejo súbito de fotografar a minha avó. deixar que todos os pedacinhos do seu corpo se reflicta e contemple em beleza. vai ser a minha antiguidade secreta. quero guardar todas as rugas, as das mãos, dos pés, da face, todas as marcas de vida dela que me acompanharam até hoje. essas que cuidaram de mim com tanto amor sem nunca haver um remate final, esse que nunca terá um fim. (acho que estou com um certo medo de a "perder" um destes dias, pois o tempo dela começa a ser cada vez menos).

falei-lhe da ideia muito por alto e a preocupação dela foi logo em arranjar-se e por-se bonita. disse-me que tinha que ir ao cabeleireiro e aposto que também pensou em vestir o melhor vestido que tinha.

então expliquei-lhe que não era essa a lembrança que queria. pois bonita já ela é e com vestidos graciosos já eu tenho muitas. disse-lhe que não era preciso nada desses costumes tradicionais para se ser fotografada. muito menos sair do espaço dela, aquele que a caracteriza e que tanto me aquece. só queria apenas que ela se deixasse ficar de soutien e cuecas. assim poderei reter todos os sinais que ela guarda ao longo do corpo. desde as mãos debilitadas às pernas quebradas e esgotadas. tenho consciência que vai ser um "caminho" longo e que cada imagem captada irá ser quem sabe mais tarde a sua existência e alma guardada num quadro pregado numa parede com carinho. na parede da minha casa. pois com ela perto de mim não irá envelhecer jamais.

ela ficou muito entusiasmada com a ideia e isso deixou-me contente.

quero guardar dela tudo o que posso enquanto poder.