sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Despida

"Eu nunca fui uma moça bem comportada. Afinal nunca tive vocação para a alegria tímida, para paixão sem beijos quentes, ou para o amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de bonito. Não estou aqui para que gostem de mim. Estou aqui para aprender a gostar de cada detalhe que tenho. E para seduzir somente o que me acrescenta. Sou dramática, intensa, transitória, e tenho uma alegria em mim que às vezes cansa. Por isso, não me venham com meios termos, com mais ou menos qualquer coisa. Venham a mim com corpo, alma, voracidade e falta de ar"


Clarice Lispector

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

são como livres fatias.

a melancolia do amor
é o latejar de uma veia
é o assustar do tempo 
e o estremecer dos dias.
despi-me sobre o espelho 
e num reflexo real se afastou o efeito
que me comeu da cintura ao peito.
implorei o teu abrigo
como um prazer alheio
quis ouvir o som dos teus sonhos
navegar no suor das tuas mãos 
como se viajasse nas poucas entranhas que me restam.
são estes os pedaços quebrados que deixo
que abandono sobre os móveis da sala
que espalho sobre o chão do quarto
e que envolvo nos lençóis da cama 
como livres fatias desfeitas 
de quem comeu tudo aquilo que sentiu 
mas sem saber porquê.











sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Adeus guerreiro da liberdade.

Hoje e sempre.

"Ninguém nasce a odiar outra pessoa devido à cor da sua pele, ao seu passado ou religião. As pessoas aprendem a odiar, e, se o podem fazer, também podem ser ensinadas a amar, porque o amor é mais natural no coração humano do que o seu oposto." - Nelson Mandela

sábado, 30 de novembro de 2013

E porque o frio já se sente.

Correm um para o outro de braços abertos,
exclamam ridentes: Até que enfim! Enfim! 
Ambos vestidos com agasalhos de inverno,
gorros de lã, 
cachecóis,
luvas,
botas,
mas só para nós.

Porque um para o outro estão nus.

Wislawa Szymborska

sábado, 23 de novembro de 2013

Se eu pudesse parar no tempo.

Se Eu Pudesse Trincar a Terra Toda

Se eu pudesse trincar a terra toda 
E sentir-lhe um paladar, 
Seria mais feliz um momento ... 
Mas eu nem sempre quero ser feliz. 
É preciso ser de vez em quando infeliz 
Para se poder ser natural... 
Nem tudo é dias de sol, 
E a chuva, quando falta muito, pede-se. 
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade 
Naturalmente, como quem não estranha 
Que haja montanhas e planícies 
E que haja rochedos e erva ... 
O que é preciso é ser-se natural e calmo 
Na felicidade ou na infelicidade, 
Sentir como quem olha, 
Pensar como quem anda, 
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre, 
E que o poente é belo e é bela a noite que fica... 
Assim é e assim seja ... 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos"

domingo, 10 de novembro de 2013

O quarto fechado.

" Acabávamos frequentemente a fazer amor. Sophie mostrava-se tão sequiosa disso quanto eu, e com o passar das semanas a casa começou a ficar erotizada, transformada num reino de possibilidades sexuais. O mundo dos demónios veio à superfície. Cada divisão da casa adquiriu a sua própria memória, cada lugar evocava um momento diferente, de tal maneira que mesmo no sossego da vida prática uma área especifica da carpete, digamos, a soleira de uma porta em particular, já não era estritamente uma coisa mas uma sensação, um eco da nossa vida erótica. Tínhamos mergulhado no paradoxo do desejo. A necessidade que tínhamos um do outro era inesgotável, e quando mais a saciávamos, mais parecia crescer. "

A trilogia de Nova Iorque
- Paul Auster

Gaivotas no quarto amarelo.



A gratidão é o único tesouro dos humildes.
William Shakespeare

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Alvorada

Era uma manhã sem chuva, tão tranquila que se conseguia ouvir os passos de quem por lá passava. A correria era tanta que as próprias pegadas deixavam marcas no chão. Dava-lhe um certo prazer e satisfação poder alcançar todas aquelas pessoas, inventar-lhes nomes nunca antes ouvidos, criar-lhes vidas nunca antes vividas, atravessando séculos e padrões oferecendo-lhes a cada um uma história. 
Embora ela soubesse que a maioria das histórias eram imaginárias não desistia de criar e realizar de forma espontânea as verdades mais importantes daquelas que descreviam noutros lados. Eram verdades de um dia que gostaríamos de vir a descobrir. Com isto, oferecia as suas próprias criações sonhadoras directamente a um mundo verdadeiro, de um modo tão real que podiam muito bem acabar por se tornar parte da realidade de cada um. E tudo aquilo naquele curto espaço de tempo em que alguém seguia uma determinada direcção, ora virava bruscamente no estrada, ora contornava uma esquina, ou simplesmente abraçava alguém que de repente se cruzava no caminho. Eram vidas com direcção mas talvez sem sentido, pensava ela. A verdade, é que nesse mesmo dia viu muitas coisas em que nunca reparara antes e de repente descobriu que o truque era andar devagar do que até então tinha andado para um entendimento completo de toda a situação. 
Foi então quando alguém reparou na sua clareza de gesto e no seu caminhar vagaroso que se dirigiu a ela com um sorriso nos lábios nunca antes visto. E mesmo que ela fizesse de conta, quisesse fugir ou até tornar todo aquele momento propício a uma só luz favorável decidiu nada mais nada menos que seria assim o desfecho da sua história. Embora ela soubesse que a maioria das histórias eram imaginárias, algo acontecera na realidade derrubando tudo o que estava à sua frente naquela manhã tranquila e chuvosa.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

"o corpo deste livro"

O abandonar-me em ti sem esperar se chove ou se faz vento, se o sol que está lá fora é de Verão ou de Outono. Se o Inverno já se despede deixando com ele um céu aberto carregado de um aroma doce e fresco. Se podemos, se não devemos, ou até se existe um motivo que nos faça justiça por breves momentos. O poder abandonar-me em ti seria unicamente alcançar desejos, construir e implantar sonhos… 
E deixar que esta utopia ganhe forma. 
Perceber o propósito deste agradável vontade, pois na vida tudo passa. 
Espero um dia vir a seduzir-te e cantar-te glórias ao ouvido, ora breve ora detido em sopro. 
O meu corpo é como um livro carregado de páginas em branco e em cada palavra uma viagem. Uma viagem longe de tudo o que é obrigações e compromissos, ausentes a tudo o que faça lembrar tempo e dinheiro. Estarei para sempre despedia, totalmente ausente nas horas de ir ou voltar desta bela e única descoberta. 
É ali onde tudo acontece e onde o mais importante fará a diferença em cada canto sobre cada momento essencial.
Esteja eu onde estiver ou faça o que fizer, um pedaço vivido e intenso será mais uma página preenchida no "corpo deste livro" onde tudo acontece todos os dias sem excepção. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A rapariga e a sua janela.

Como já nada lhe importava do que pudesse ou não vir acontecer, sentiu-se condenada a viver fora do tempo. Os dias passavam tornando as suas palavras transparentes como o vidro da janela onde agora se encostava. Era ali que sonhava enquanto espreitava o mundo lá fora. Gostava de encostar quase a boca ao vidro e embacia-lo com a respiração. Só os lábios respiravam. Era o único meio de lhe tapar a visão. Umas vezes com o indicador quente desenhava, era uma forma de acrescentar algo que gostava de poder observar. Outras vezes fantasiava com quem passava, ou com o que encontrava. A verdade é muito mais complexa como gostaria que fosse, pensava ela. E mesmo quando tudo existe nada existe realmente, está tudo tão longe da sua realidade como do seu próprio silêncio. Ali era o seu lugar secreto, era ali que deixava a sua mente vaguear à vontade enquanto acreditava no presente idealizando um futuro livremente. Apreciava a brancura dos aviões que atravessavam o céu deixando para trás um passado em movimento. As cores que ofereciam as flores do jardim em frente combinavam com o dia ardente que estava, tal como vento que se aventurava entre as folhas das árvores estimando e intensificando o poder da natureza. Também dali podia observar as transformações diárias desde a fresca e resplandecente aurora até a mais secreta e triste noite. A lua, essa, tinha sempre uma aparência diferente, embora só a visse de frente. E assim passava o seu tempo, os dias iam e vinham e ali acontecia de tudo. Não sabia viver fora do tempo, não sabia quando chegaria um final. Mas talvez ela não estivesse de facto à procura de nada definitivo.
A rua estava totalmente tranquila. Não passavam carros nem se viam pessoas.
Encostou novamente a boca ao vidro, embaciou-o, desenhou e beijo-o.

domingo, 15 de setembro de 2013

"candeeiros que baloiçam com o vento e laranjas que caem com o tempo."

                                                                       ontem 



O JP Simões é o Eduardo Lourenço da música popular portuguesa. Cada disco seu que se publica é uma manifestação nacional de inteligência, mesmo que a nação possa andar distraída ou ressentida, aborrecida ou esganada (...). Este disco é terapia para o português cinzentismo, para a merklice aguda, para a gula capitalista, para o desperdício da paixão. Desmistificando decadências e confessando vícios e afectos, Roma é um certo folclore pejado de alegrias, contagiante, impossível de ser parado. É o Eduardo Lourenço a fumar a relva e a curtir muito bem curtida uma bela guitarra". v.h.m

terça-feira, 20 de agosto de 2013

fugaz devaneio.

nem depressa nem devagar
mas o tempo não é certo.
estou atada a uma cauda de um cometa
vejo-te na terra tão sensível
sinto a aurora que surge do teu ventre
intensamente beijo os teus olhos
como quem morre na esperança cega
deste grande universo
tu e eu somos apenas o espaço
deste oculto e infinito amor.
há noites que deviam durar para sempre
nem depressa nem devagar
mas no tempo certo.
sem excessiva lentidão
para nós será o nascer de uma renovação.
é como acordar de um longo sonho 
onde a tua voz tropeça na minha
é o amor feito e desfeito.
dele vou arrancar o coração
guardá-lo no mundo
e fabricar um poema mais.

domingo, 11 de agosto de 2013

mudam-se as paredes, mudam-se as noites.

saudade / tristeza

A maneira de reagir à saudade e à tristeza é ter um coração bom e uma cabeça viva. A saudade e a tristeza não são doenças, ou lapsos, ou intervalos, como se diz nos países do Norte. São verdades, condições, coisas do dia a dia, parecidas com apertar os atacadores dos sapatos. É banalizando-as que as acompanhamos. Um sofrimento não anula outro. Mas acompanha-o. Para isto é preciso inteligência e bondade. 

Aquilo que resta são as pequenas alegrias. No contexto de tamanha tristeza e tanta verdade tornam-se grandes, por serem as únicas que há. Não falo nas alegrias que passam, como passam quase todas as paixões. 

Falo das alegrias que se tornam rotinas, com que se conta: comprar revistas, jantar ao balcão, dormir junto do mar, dizer disparates, beber de mais, rir. Coisas assim. São essas coisas — entre as quais o amor — que não se podem deitar fora sem, pelo menos, morrer primeiro.

Miguel Esteves Cardoso, in As Minhas Aventuras na República Portuguesa.

domingo, 4 de agosto de 2013

mimos*


" The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars. "

Jack Kerouac

o tempo e as suas memórias.


Coisas que se tornam sensíveis nas nossas mãos.
E no fim, tudo o que for bom e verdadeiro torna-se para sempre.
Lá se foi o tempo.
Mas as memórias, essas permanecem.

Tabu (2012)
Um filme português do realizador Miguel Gomes.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

19º Super Bock Super Rock











" Amor é aquilo que deixamos ocupar em todos os nossos espaços num sentido exacto de sentido, para quando acreditarmos nele seja um acreditar intenso e permanente. "  

São estas as minhas palavras após algumas horas de descanso e reflexão que resumem estes três dias de música, poeira e rock. Ah! E é também importante reter que nunca um fino me soube tão bem depois de um banho de água fria (para não dizer gelada) como no Meco. 
E como diriam os meus caros amigos Ivo e João... " eu fazia disto vida..." pois eu também!



sexta-feira, 12 de julho de 2013

gente feliz com livrarias assim.


Os sabores do nosso mundo.

Desde muito cedo descobriu que algo dentro dela resplandecia. 
Possuía um apetite fora do normal, tudo para ela era uma tentação. 
Até mesmo nas pequenas coisas ela descobria o gosto e o prazer que a fazia querer "engolir o mundo." Pensava nisso a todo o instante e questionava-se como seria se o pudesse trincar, ingerir e absorver... 
Sentiria o sabor amargo da injustiça no corpo?!
A crueldade, iria picar-lhe a língua como se de uma chama sem fim se tratasse?!
Já para não falar do ácido, pois certamente iria corroer-lhe a mente de tanto sofrimento humano.
E o salgado do mar, traria com ele algumas ondas de mudança...? 
Saberia a boca dela o que era a sede da transformação...?
Deitou-se, fechou os olhos e deixou-se estar quieta. 
Percebeu naquele momento que se realmente ainda desejava "engolir o mundo" iria ter uma grande indigestão causada por tanta tortura alimentar, resumindo o mal-estar universal.
Aborrecida e melancólica voltou a fechar os olhos, e  não é que chegou a conclusão que lhe faltava um paladar. Era o doce!
O doce amor disse ela, o supremo de todos os paladares no mundo. 
E quando o desejou e experimentou, sorriu. 
Não percebendo que entretanto todos os outros já tinham sido devorados.


" Pensem bem antes de ingerirem seja o que for ".

quarta-feira, 3 de julho de 2013

alguém hoje num momento de lucidez me disse...

óh olhos rasgados de olhar profundo que é feito de ti? e porque me privas da tua beleza e deleite?
se te procuro sinto-me a mais, se me deixo ficar invades-me como uma saudade desconhecida!
de ver a tua terna e nobre candura pergunto-me do que será preciso para te esboçar um sorriso enfeitado pelas duas covinhas que te dão ar de menina que se recusa a crescer.
mas nem o negro que escolhes, para enfeitar unhas, cabelo e olhos, esconde a doçura da brancura ou o charme de uma bela mulher que o é sem querer!

e eu fiquei sem saber o que dizer... 

terça-feira, 2 de julho de 2013

" A vida é a arte do encontro "

Uma tarde de verão na galeria Geraldes da Silva no Porto.
Exposição de pintura da minha amiga Cláudia Cruz. 
(É tanto o orgulho que tenho por ela...)

" Dar cor à forma e forma à cor "









E como diria o Saramago, " Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara. "