domingo, 30 de dezembro de 2012

os barcos carregados de secretas viagens.

e assim ficamos, deitados no jardim onde folhas secas nos serviram de transporte. 
ali esquecemos enquanto pensamos sem qualquer gesto que nos defina. sabíamos o que queríamos. apenas ficar a olhar mesmo sem ver. permanecemos os dois embriagados nessa louca viagem em que a eternidade era nossa deixando escapar por entre os dedos das nossas mãos a certeza a que chamo de sentimentos livres de quem tudo alcança sem alcançar. 
é quando me encosto a ti só para ter a certeza do que falo. 
esta é a melhor forma que tenho para não te procurar.

sábado, 29 de dezembro de 2012

a esse entardecer


É essa a única missão no Mundo,
Essa — existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.

Fernando Pessoa

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

se é lacuna ou não não se pode converter o céu em terra.

já lá vai o tempo em que o vazio não se fazia notar de forma tão bruta como nos dias de hoje. cada vez mais nos questionamos sobre tudo o que nos acontece sem pedirmos. é como nos colocarem uma venda nos olhos e sentirmos que nos levam para longe sem termos a mínima hipótese de escolhermos o conforto, se queremos ir "sentados ou deitados" nessa viagem. sem saber para onde e como, damos por nós no mais incomum e forasteiro lugar. sendo esse muitas das vezes o nosso ambiente diário. 
o que calcamos a toda a hora, umas vezes com mais certezas outras vezes carregados de dúvidas e suspeitas. esse lugar que é nosso desde o momento em que aprendemos a olhar e a respirar, onde tudo tem o seu diverso sítio para estar. a sensação por vezes é ao arrancar a venda que nos vai roubar toda aquela ilusão de que um dia tudo e cada coisa teve o seu devido instante, o seu devido espaço que ocupa uma pessoa no seu todo. questionamos a forma como tudo vai alterando à medida que o tempo passa na esperança de poder um dia dar nova forma às coisas tornando assim todo o nosso foco interior como um objectivo e realidade exterior. combatemos com todas as forças que temos para poder dar forma ao vazio constante que nos contorna sem motivo aparente. por não compreender muitas das vezes, quando na nossa cabeça achamos que temos a obrigação de saber tudo de tudo e assim julgamos sem direito, insinuamos sem fundamento, criticamos sem conhecimento, odiamos sem saber que odiamos. mas odiamos.
é verdade sim que não se pode transformar a água em fogo, não se pode converter o céu em terra. 
contudo, podemos sempre mudar o ódio fazendo nascer dali amor. 
preencher o vazio presente das mais diversas maneiras formas e feitios abraçando quem nos surge na vida. mesmo aqui e sem pedirmos tudo acontece. tudo tem o seu devido lugar em determinado tempo e espaço. basta só saber como tirar a venda sem  nunca a deixar cair no vazio. 

Família. palavras.





"Para uma família ser feliz, é necessário haver sedução. Os filhos têm de ser charmosos para encantar os pais, os pais têm de se esforçar para educarem convincentemente os filhos. E marido e mulher, caso queiram permanecer juntos, têm de passar a vida inteira a engatar-se. O mal da família é a facilidade. É pensar que aquele amor já é assunto arrumado."

Último Volume
Cardoso , Miguel Esteves

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

se ele diz eu acredito.

« outro cartão, de um restaurante italiano, tinha um simples

"amo-te" escrito a tinta permanente.

Tal como deve ser escrito o amor:

a tinta permanente. »

A Boneca de Kokoschka,
Afonso Cruz

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ontem.



« A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas? »

Alberto Caeiro, O guardador de rebanhos
Fernando Pessoa 


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

o fim do mundo é quando nós quisermos.









anoto estes dias como um abrigo.
eu bem sabia que estava a precisar.
já não me lembrava de ver tão pouco rico em tanto. virar todas essas esquinas molhadas do tempo e observar tanta roupa a secar no estendal da varanda. de vasos com flores que nunca vi em cada degrau de escada. pois é preciso tornar o caminho alegre nem que seja o de casa. já não me lembrava sequer de ouvir o silêncio que se esconde por detrás das ruas invadindo tudo sem pedir licença, como um suspiro trazendo descanso. 
respirar aqui vale a pena. vi cada canto. desde as casas de pedra frias ás árvores por ali espalhadas tão nítidas como uma paisagem real do que é passado, presente e futuro aos olhos de quem lá vive. são certamente como bens que ficam. pouco se ouve. mas ao mínimo gesto tudo se distingue e sente. a verdade é apreciar sempre como um regresso. saber compreender e sentir o cheiro agradável da lenha que queima. sentir o frio tornando todo o ambiente por si só quente. sentir a beleza que é a alquimia da aldeia. pressentir os passos cansados de quem por lá passa de hora em hora deixando sempre uma saudação no ar. é sinónimo de algo novo, eu vi. aqueles olhares dizem tudo. é tão pouco comum que se torna num facto inaudito. até os gatos que lá habitam mostram a sua curiosidade e aparecem como gotas de chuva escondidas entre as folhas das árvores. «aqui a curiosidade não matou o gato», antes pelo o contrário. faz com que com ela surja a vida.
terminei o livro que estava a ler num quarto que não era o meu. num quarto com paredes húmidas. com aroma a antigo perfeito. estava sem música e sem os meus gatos. deixe-me ficar com a manta que trouxe de casa pousada sobre as pernas  folheando o que era meu, deitada numa cama que vi-a pela primeira vez. é um costume meu mas agora também antigo no verdadeiro sentido da palavra. senti que momentos e rituais se encaixam em qualquer época como também em qualquer lugar do mundo. o panorama e as sensações são diferentes mas todo o resto é igual. 
anoto o regresso com uma certa melancolia mas não de tristeza. apenas de dias como um abrigo. 








quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

diz o Henry Miller

« se você não conseguir fazer com que as palavras trepem, não as masturbe. »

foi então que compreendi...


" ... mas que no fundo não passávamos de dois solitários pedaços de metal, traçando cada um a sua órbita.
ao longe, parecem belos como estrelas cadentes, mas, na realidade cada uma de nós navega sozinha sem destino certo, prisioneira na sua própria cápsula. caso as órbitas desses dois satélites se cruzassem, poderíamos então encontrar-nos. talvez até abríssemos os nossos corações, mas apenas por um brevíssimo instante. no momento seguinte, voltaríamos a mergulhar na mais absoluta solidão. até começarmos a arder e ficarmos reduzidas a nada. depois de ter chorado desalmadamente, Sumire levantou-se, apanhou o pijama que estava caído no chão e vestiu-o lentamente. - disse que queria estar sozinha e que ia voltar para o seu quarto. « não penses demasiado nas coisas», pedi-lhe eu. «amanhã é outro dia, e tudo continuará a ser como dantes. vais ver.» 

Sputnick meu amor
Haruki Murakami


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Jimi *




faz este mês um ano que vieste parar aos meus braços. 
e sem saber procurar sequer um inicio, agarrei-te e dei-te abrigo.
o amor é tão grande que completa cada canto desta casa.
esse amor que também cabe no colo enquanto leio. 


domingo, 9 de dezembro de 2012

O sorriso do Manuel.


o momento de hoje.
é incrível como sem pedirmos nos aparece uma pessoa assim, que se senta no mesmo chão que nós  e começa por partilhar a sua sabedoria trazendo as suas vivências de arrasto. penetrou o olhar de cada um e também nos baptizou. ali mesmo. recitou  poemas como pássaros a cantar. sorriu sentidamente levando a mão ao de leve a tocar no centro do peito como forma de agradecimento por aquele humilde e inocente momento. quem sabe um único em tanto tempo. ele confessou que o som das palmas o fazia feliz e sentiu que o ouvíamos com especial atenção e vontade. falava a sorrir. os gestos eram serenos e de procura. ele só queria alguma companhia.
começo achar que realmente “andamos” perdidos e com uma enorme necessidade de nos encontramos ou de talvez sermos encontrados.
lembro-me que tudo começou com um pão e acabou com um abraço.
nunca mais me vou esquecer do sorriso do abstrato. 

disse-me que eu lhe fazia lembrar a Maria de Medeiros.
mas eu esqueci-me de lhe dizer que ele a mim me fez lembrar o Fernando Pessoa.
tenho a certeza que ele iria gostar. :)





terça-feira, 4 de dezembro de 2012

como assustar duas pobres senhoras que me tentaram vender livros de nosso senhor cristo a porta de casa.

é que só bastou dizer-lhes:
« olhe bem para mim... você acha que assim vestida de preto, com piercings, tatuagens e filha de pais separados tem salvação? » 
ao que me responde:
« mas deus é a salvação menina!! » 

para além de as ter assustado quando se cruzam comigo na rua nem olham para mim. 
e eu a achar que deus era imparcial aos olhos destas pobres crentes.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

devaneios.

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco.
 Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector 


de tão maravilhoso que está.




The trees will burn with blackened hands
We return with the light of the evening
The trees will burn blackened hands
Nowhere to rest, with nowhere to land

And we know who you are
And we know where you live
And we know there's no need to forgive

...

Nick Cave & the Bad Seeds
Push the sky away
2013

\o/ bem, já posso morrer hoje e descer ao inferno. pois vou satisfeita! *

« quem fala assim não é gago »

Poetry is just the evidence of life. If your life is burning well, poetry is just the ash. 

Leonard Cohen

casa viva






ás vezes penso como seria esta cidade em que um terço das casas devolutas se pudessem manifestar abraçando a cultura e fazendo ressuscitar endereços fixos para todos.


 penso também na quantidade de segredos que residem atrás desses grandes muros e paredes.