domingo, 27 de novembro de 2011

assaltada por visões









(...) Os seus pensamentos começaram a perturbá-la, os pequenos jogos que faz na sua mente sem o desejar, as súbitas e incontroláveis fugas para a escuridão. Por vezes, surgem-lhe de rompante - um impulso para pegar fogo à casa, para seduzir Alice, para roubar dinheiro do cofre da empresa - e depois, tão rapidamente como surgiram, definham e evaporam-se. 
Outras são mais constantes e têm um impacto mais duradouro. Mesmo o simples facto de sair surge cheio de riscos, pois há dias em que já não consegue olhar para as pessoas por quem passa na rua sem as despir mentalmente, sem lhes tirar as roupas que as cobrem com um puxão rápido e violento e depois examinar os seus corpos nus à medida que avançam. Estes desconhecidos, para ela, já não são pessoas, são simplesmente os corpos que lhes pertencem, estruturas de carne envolvendo ossos e tecidos e órgãos internos, e, com o pesado tráfego pedestre que circula na 7th Avenue, a avenida onde fica o seu escritório, depara todos os dias com centenas senão mesmo milhares de espécimes. Vê os volumosos e mal jeitosos seios de mulheres gordas, os minúsculos pénis de rapazinhos, os pêlos púbicos ainda incipientes de crianças com os filhos, o olho do cu de velhos, os genitais sem pêlos das meninas, coxas luxuriantes, coxas escanzeladas, nádegas amplas, pêlos no peito, umbigos metidos para dentro, mamilos invertidos, barrigas marcadas por operações ao apêndice e nascimentos por cesariana. Sente-se revoltada com estas imagens. assombrada com o facto da sua mente ser capaz de produzir tamanha porcaria, a partir do momento em que lhe ocorrem é incapaz de as fazer desaparecer (...) Não sabe como deter estas visões. Deixam-na exausta, sente-se miserável, mas os pensamentos loucos entram na sua cabeça como se tivessem sido plantados lá dentro por outra pessoa, e se bem que ela trave um duro combate para os suprimir, é uma batalha que nunca vence. (...)


SUNSET PARK
Paul Auster

Sem comentários:

Enviar um comentário